10 de julho de 2025 Por SBMDN

ARTIGO COMENTADO Diagnóstico e Tratamento do Supercrescimento Bacteriano do Intestino Delgado: Um Artigo de Posicionamento Oficial da Federação Brasileira de Gastroenterologia

ARTIGO ORIGINAL

Referência bibliográfica:

da Silva BC, et al. Diagnosis and Treatment of Small Intestinal Bacterial Overgrowth: An Official Position Paper from the Brazilian Federation of Gastroenterology. Arq Gastroenterol. 2025 Feb 17:62:e24107. doi: 10.1590/S0004-2803.24612024-107. eCollection 2025.

Autores do comentário:

  • Bruno César da Silva, MD, Msc

Gastroenterologista do Hospital da Bahia e Clínica AMO

Mestre em Medicina e Saúde pela UFBA

Sócio Titular da FBG

  • Priscila de Oliveira Rocha, MD – Gastroenterologista

Gastroenterologista do Hospital da Bahia e Clínica AMO

Professora da faculdade de Medicina da Universidade Salvador (UNIFACS)

Comentário Crítico:

O supercrescimento bacteriano do intestino delgado (SIBO) representa um desafio diagnóstico e terapêutico recorrente na prática do gastroenterologista. Em meio ao crescente interesse clínico e científico pelo tema, a Federação Brasileira de Gastroenterologia apresenta este artigo de posicionamento com o intuito de consolidar diretrizes claras e adaptadas à realidade brasileira. O documento busca não apenas oferecer uma revisão técnica e conceitual do estado da arte, mas também propor recomendações práticas aplicáveis no cotidiano assistencial, contribuindo para a uniformização de condutas frente a um quadro ainda frequentemente subdiagnosticado.

O artigo inicia com uma revisão abrangente sobre os mecanismos fisiopatológicos implicados no desenvolvimento do SIBO. A integridade da motilidade intestinal, da acidez gástrica, da válvula ileocecal e da função imunológica local são apontadas como barreiras naturais do intestino delgado. Condições que afetam esses mecanismos, como distúrbios motores (ex. esclerodermia), cirurgias abdominais prévias (especialmente gastrectomias e ressecções intestinais), uso crônico de inibidores de bomba de prótons, hipocloridria, além de doenças sistêmicas como diabetes mellitus, são identificadas como fatores predisponentes relevantes. Essa contextualização permite ao leitor uma compreensão mais integrada do processo fisiopatológico, essencial para o raciocínio clínico e para a definição de populações de risco.

As manifestações clínicas do SIBO são heterogêneas, o que contribui significativamente para sua subnotificação. O artigo aborda sintomas clássicos como distensão abdominal, flatulência, dor abdominal, diarreia crônica e perda ponderal. No entanto, também chama atenção para manifestações menos específicas, como fadiga, desconforto pós-prandial e alterações nutricionais secundárias à má absorção, incluindo deficiência de vitaminas lipossolúveis, vitamina B12 e Ferro. Essa diversidade sintomática reforça a importância da suspeição clínica em contextos amplos, especialmente em pacientes com doenças de base predisponentes.

A seção dedicada ao diagnóstico do SIBO é um dos pontos centrais do artigo. Os autores detalham os dois principais métodos diagnósticos disponíveis: a cultura quantitativa do aspirado jejunal, considerada padrão-ouro, e os testes respiratórios de hidrogênio e metano expirados, estes últimos mais amplamente utilizados por sua praticidade. O documento fornece recomendações claras sobre a execução técnica dos testes respiratórios, incluindo preparo prévio, substratos recomendados (glicose e lactulose), interpretação dos resultados e valores de corte sugeridos. Embora reconhecendo as limitações desses exames, como baixa sensibilidade e ausência de padronização universal, os autores reforçam seu papel na prática clínica atual, destacando que sua correta execução e interpretação são fundamentais para reduzir falsos positivos ou negativos.

O tratamento do SIBO, segundo o posicionamento, deve ser multidimensional. A rifaximina é destacada como a principal opção terapêutica, com suporte em ensaios clínicos e diretrizes internacionais, especialmente nos casos com predominância de produção de hidrogênio. O artigo também discute estratégias complementares, como o uso criterioso de probióticos e intervenções dietéticas, notadamente dietas com baixo teor de FODMAPs, com a ressalva de que a evidência ainda é incipiente. Ressalta-se ainda a importância do tratamento da condição de base que favorece o SIBO, bem como o manejo da recorrência, frequente em muitos pacientes.

O artigo ainda introduz o conceito de Supercrescimento metanogênico intestinal (IMO), destacando sua associação com constipação e a necessidade de regimes antibióticos específicos, como rifaximina associada à neomicina.

Apesar de sua abrangência, o artigo não se exime de reconhecer as limitações inerentes ao conhecimento atual. A baixa qualidade metodológica de muitos estudos, a ausência de consenso internacional sobre critérios diagnósticos e a carência de dados epidemiológicos brasileiros dificultam a generalização de condutas. Além disso, a variabilidade na oferta de testes diagnósticos e medicamentos entre os diferentes contextos regionais do país é um fator que deve ser considerado na implementação prática das recomendações.

Acreditamos que este posicionamento contribui de forma relevante para o gastroenterologista brasileiro. Ao sistematizar o conhecimento disponível e propor diretrizes adaptadas à realidade brasileira, ele oferece um instrumento valioso para clínicos e especialistas, contribuindo para uma abordagem mais consistente e embasada do SIBO. Espera-se que esse documento estimule não apenas a padronização das condutas, mas também o desenvolvimento de novas pesquisas clínicas em território nacional, de modo a preencher lacunas ainda existentes e fortalecer a base de evidências sobre o tema. Trata-se, portanto, de uma contribuição oportuna e necessária, com potencial de impactar positivamente a prática assistencial e a formação continuada dos profissionais da área.